Nesses casos cabe justa causa, mas também é possível questionar a mudança na Justiça
A flexibilização das medidas de isolamento físico no País tem permitido a reabertura de empresas, escritórios, bares, restaurantes e hotéis, entre outros segmentos da economia, em conformidade com as determinações sanitárias das autoridades de cada município ou Estado.
De acordo com especialistas, é necessário que trabalhadores e empregadores se atentem aos seus direitos e deveres no momento de retomada do trabalho presencial e do encerramento do trabalho remoto.
Se por um lado o funcionário é obrigado a retornar ao ambiente de trabalho, sob pena de demissão por justa causa caso haja recusa, também é o seu direito questionar a mudança na Justiça.
A empresa, segundo a legislação em vigor, pode unilateralmente retirar o empregado do teletrabalho e determinar seu retorno ao trabalho presencial, afirma o doutor em direito do trabalho e professor Eduardo Pragmácio Filho, sócio do Furtado Pragmácio Advogados.
“Por outro lado, a empresa deve observar as normas de saúde e segurança do trabalho e todos os protocolos sanitários exigidos pela portaria conjunta 20/2018 do Ministério da Saúde e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, que prevê série de medidas preventivas e de combate à Covid-19.
Dentre elas, a criação e registro de plano de retomada, a ostensiva informação e treinamento aos trabalhadores, a observância do distanciamento mínimo entre pessoas, ventilação e limpeza dos ambientes, a promoção de higiene das mãos e da etiqueta respiratória, entrega de máscaras e de outros equipamentos etc”.
VOLTA DE DIREITOS
Com o retorno ao ambiente da empresa, são retomados direitos como o vale-transporte ou meio de locomoção fornecido pelo empregador, entre outros benefícios concedidos antes da pandemia. É possível ainda que haja acréscimo na remuneração, já que os empregados, em regime de home office, não estavam sujeitos ao controle de jornada e não tinham direito a verbas decorrentes de horas extras e adicional noturno.
“O que foi acordado anteriormente quanto à entrada no home office pelo trabalhador e o empregador será extinto e são retomadas as condições normais de trabalho anteriormente pactuadas, devendo se levar em consideração as recomendações do Ministério da Saúde”, observa Ruslan Stuchi, advogado trabalhista e sócio do escritório Stuchi Advogados.
O professor de pós-graduação da PUC-SP e doutor em direito do trabalho Ricardo Pereira de Freitas Guimarães salienta que o direito de maior importância neste momento de retomada diz respeito ao ambiente sadio em relação a todas as medidas possíveis e necessárias de proteção a esses empregados. E a companhia que não seguir todas as recomendações poderá ser penalizada.
“O dever principal é seguir as regras de saúde e segurança impostos pelo empregador e pelo Estado. Importante destacar decisão recente do STF (Superior Tribunal Federal) que reconhece a possibilidade de eventual responsabilidade do empregador no caso de contágio do coronavírus de seu funcionário.
Assim, todos os protocolos de segurança vigentes em razão da pandemia mais os já inseridos nas normas regulamentadoras e na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) devem ser seguidos obrigatoriamente“, orienta.
Grupo de risco precisa justificar
Atualmente, não há norma legal que obrigue a empresa a manter o funcionário em regime de trabalho remoto durante a crise sanitária. Entretanto, a recusa do empregado em voltar a trabalhar de forma presencial, principalmente daqueles do chamado grupo de risco – pessoas acima de 60 anos e portadores de doenças crônicas –, deve ser bem justificada, com parâmetros médicos.
O simples fato de ter receio de contaminação no transporte público ou na empresa não é motivo para a recusa ao trabalho. A empresa, por outro lado, deve deixar sempre registrado que informou funcionários dos riscos a que eles estão submetidos e que tomou todas as medidas preventivas para evitar a doença.
“Se o trabalhador se recusar a retornar ao trabalho sem estar no grupo de risco ou ter o nexo causal de que a empresa não atende às condições de segurança, pode ser demitido sem justa causa, com base no artigo 483 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Porém, recomenda-se que o empregador tenha um certo jogo de cintura para lidar com esta situação, pois muitas pessoas estão com medo de contrair o vírus e até mesmo passar para os seus familiares“, lembra Bianca Canzi, advogada especialista em direito do trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
O professor Ricardo Pereira de Freitas Guimarães destaca que apenas aqueles empregados que possuam uma razão fundamentada para a recusa do retorno poderão continuar em casa. “Apenas como exemplo, aqueles que pertençam a eventual grupo de risco por comorbidades ou idade, essa recusa, se bem documentada, pode ser de maior importância que o poder de comando do empregador. Caso contrário pode ocorrer a dispensa em caso de recusa”, explica o professor.
Para o professor Eduardo Pragmácio Filho, o retorno dos funcionários do grupo de risco é uma questão polêmica e que envolve um debate bioético. “No Brasil não existe uma norma expressa e direta que trate do assunto.
O dilema é o seguinte: quem vai arcar com os custos da inatividade do trabalhador em grupo de risco?, questiona.